sexta-feira, 3 de maio de 2013

O passado que vive em nós via Sérgio Rizzo

Hoje

 Há atrasos que vêm para o

 bem: a
 demora entre a conclusão de Hoje – que estreou em setembro de 2011 no Festival de Brasília, do qual saiu com os prêmios de melhor filme, atriz, roteiro, direção de arte e fotografia – e a

sua chegada aos cinemas, em abril de 2013, terminou por “esquentá-lo” graças à reflexão para a qual nos convida. Entre um momento e outro, em maio do ano passado, a presidente Dilma Rousseff instituiu a Comissão Nacional da Verdade para investigar violações de iritos humanos entre 1946 e 1988.
Desde então, o assunto voltou com intensidade à pauta nacional, como demonstra O fim do esquecimento, de Renato Tapajós, que trata da mobilização social pela apuração de crimes cometidos durante os governos da ditadura civil-militar de 1964, e que faz sua estreia em abril

no É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários. Pois bem: Hoje trata da memória – individual e coletiva – dos “anos de chumbo”, com uma trama intimista que se desenrola ao longo de um único (e extenuante, sofrido) dia, expondo o drama dos desaparecidos políticos e de suas famílias.
Ambientada em março de 1998, a ação tem início com a chegada de Vera (Denise Fraga) a um amplo e antigo apartamento, na região central de São Paulo, para o qual ela está se mudando (as locações foram no Edifício Louvre, na av. São Luís, projetado nos anos 1950 por João Artacho Jurado).
 Enquanto dois carregadores trazem os móveis e as caixas, que ela se apressa em abrir para reorganizar a vida, a visita inesperada de Luiz (o uruguaio César Troncoso, de O banheiro do Papa e Infância clandestina) joga luzes sobre o passado da nova moradora.
 Está dada a largada para um jogo que a diretora Tata Amaral (Antônia – O Filme) conduz com sua comprovada habilidade para tratar de personagens que vivem situações-limite entre quatro paredes, como em seus dois primeiros longas,

 Um céu de estrelas (1996) e
Através da Janela : foto
Através da janela (2000).
 Baseado no romance Prova contrária, de Fernando Bonassi, o roteiro de

 Jean-Claude Bernardet,

 Rubens Rewald e

 Felipe Sholl adota soluções próprias para encenar a trama do livro, mas mantém o reencontro entre os protagonistas na segunda metade dos anos 1990 em virtude de uma coordenada dramática: interessa, ao romance e ao filme, tratar do impacto e das decorrências da Lei 9.140,

a Lei dos Desaparecidos, sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso em 4 de dezembro de 1995. Ela reconhece como mortos os desaparecidos políticos no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, e estabelece indenizações às famílias das vítimas com base na expectativa de sobrevivência dos mortos.
Ninguém estranharia se Tata lamentasse o tempo que Hoje demorou para ter a chance de encontrar seu público, mas ela prefere celebrar a feliz conjunção da estreia tardia com a atualidade do tema. “Incrível, né? Parece que ele foi feito para isso [para o debate atual]”,
Cena de 'Hoje', com Cesar Troncoso e Denise FragaFoto: Jacob Solitrenick
comemora a diretora. “Quando comecei o projeto do filme, em 2005, ninguém falava nisso. E agora o assunto é uma urgência, uma discussão que precisa ser feita. Há toda uma percepção internacional de que a tortura é um crime de lesa-humanidade e que, portanto, a sua pena é imprescritível”.
“Se você encontra um nazista na rua”, exemplifica Tata, “você é obrigado a entregá-lo às
Denise Fraga, Tata Amaral e Cesar Troncoso em 'Hoje'Foto: Divulgação
autoridades, mesmo que seja um velhinho caquético. Por que no Brasil os torturadores ficaram impunes? Não pode. Se não encaramos a tortura do passado, continuamos torturando. Nós aceitamos a tortura na nossa sociedade”. A diretora vê Hoje como a lembrança de que “é
importante falar disso, identificar e punir os torturadores”. Para eventualmente perdoá-los, ele acredita, “é preciso antes saber quem são”. “Eles é que precisam pedir perdão para que então

sejam perdoados pela sociedade. É uma discussão que diz respeito a todos nós, e não só àqueles que foram vítimas. Nós todos ficamos indignados com as torturas nas prisões. E, nelas, funciona o mesmo aparato de tortura [da ditadura], os mestres são os mesmos”.
Livro - Prova Contrária
Há também algo de muito pessoal no filme. “Quando li o livro, fiquei muito impressionada com a cena em que a personagem descreve que sofreu tanto que pensou em se matar”, lembra Tata. “Entendi ali o que aconteceu com meu primeiro marido, que morreu em outras circunstâncias [Luiz Carlos Alves de Souza Filho, a quem o filme é dedicado, se suicidou]. Entendi você querer

morrer quando perde uma pessoa que ama. Eu tinha 19 anos quando aconteceu. Resolvi que queria falar disso. No filme, essa cena é a do meu suicídio. Só não fui adiante por causa da minha filha, que era bebê e estava no quarto ao lado. Fiz dessa história a minha, um filme que fala da ausência e da possibilidade de reencontro com uma pessoa que foi importante”.
File:Sergio Rizzo.jpg
imagens google , ilustracao Re Bittencourt,video YouTUBE

Nenhum comentário: