Durante dez anos, de 1951 a 1961, Nelson Rodrigues escreveu sua coluna A vida como ela é para o jornal Última Hora, de Samuel Wainer.
Seis dias por semana, chovesse ou fizesse sol. A chuva podia ser como a do quinto ato do Rigoletto e o sol, daqueles de derreter catedrais, segundo ele. Todo dia, com uma paciência chinesa e uma imaginação demoníaca,
Nelson escrevia uma história diferente. E quase sempre sobre o mesmo assunto: adultério. Desse tema tão simples e tão eterno, ele extraiu quase 2 mil histórias. Os ficcionistas que fingem se levar a sério precisam de toda uma aura de mistério para criar. Nelson dispensava esse mistério.
Chegava cedinho à redação, acendia um cigarro e, na frente dos colegas, entre miríades de cafezinhos, escrevia A vida como ela é As histórias saíam de casos que lhe contavam, da sua própria observação dos subúrbios cariocas ou das cabeludas paixões de que ele ouvira falar em criança. Mas principalmente da sua meditação sobre o casamento, o amor e o desejo.
O cenário dos contos de A vida como ela é é o Rio de Janeiro dos anos 50. Uma cidade em que casanovas de plantão e mulheres fabulosas flertavam nos ônibus e bondes;
em que poucos tinham carro, mas esse era um Buick ou um Cadillac; em que os vizinhos vigiavam-se uns aos outros; e em que maridos e mulheres viviam sob o mesmo teto com as primas e os cunhados, numa latente volúpia incestuosa.
Uma cidade em que, como não havia motéis, os encontros amorosos se davam em apartamentos emprestados por amigos — donde o pecado, de tão complicado, tornava-se uma obsessão.
E uma época em que a vida sexual, para se realizar, exigia o vestido de noiva, a noite de núpcias, a lua-de-mel. E em que o casal típico — e, de certa forma, perfeito — compunha-se do marido, da mulher e do amante.
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