Protesto poético
Em manifestação contra a derrubada de tótens com poesia nas paradas de ônibus, artistas cimentam versos na calçada da 509/510 Sul
Arthur H. Herdy Especial para o Correio Breno Fortes/CB/D.A Press
O grupo Loucos de Pedra fixou duas placas de poemas no chão perto do ponto de ônibus: “a poesia foi para a sarjeta” Por volta das 11h de ontem, um grupo de movimentadores culturais da cidade atraiu a atenção de quem passava na W3 Sul, em frente ao ponto de ônibus da entrequadra 509/510. Aqueles que esperavam o ônibus espantaram-se. Quem passava na rua não disfarçava a curiosidade — olhares ressabiados questionavam o pequeno furdunço no local. O clima seco e quente não deu trégua, mas isso não foi motivo para desânimo. No chão, argamassa, cimento, pás, baldes e espátulas. Na calçada, havia poemas, os mesmos arrancados há mais de três meses pelo projeto Cidade Limpa do Governo do Distrito Federal (GDF). Agora, pelas mãos de poetas, escritores e artistas, voltavam ao lugar que lhes é de direito. Aproveitando os buracos e crateras na rua, eles plantaram poesia.
Desde 2004, os poemas estavam afixados em 12 placas de aço — antigos e desabilitados itinerários de ônibus. A partir dos versos de poetas brasilienses, formadores do grupo Loucos de Pedra, o artista plástico Henrique Gougon construiu os tótens expondo os textos em mosaico — Eudoro Augusto, Nicolas Behr, Fernando Mendes Viana e Cassiano Nunes (este, morto no ano passado) eram alguns dos nomes presentes na homenagem. Em abril deste ano, as obras foram derrubados sem aviso. O projeto Cidade Limpa, cujo objetivo é livrar a cidade de faixas, outdoors e quaisquer resquícios de poluição visual, destruiu as instalações. Dos 12, apenas dois, da poetisa Angélica Torres Lima, puderam ser salvos e encontram-se hoje guardados.
A solução encontrada foi não largar o osso: no mesmo espaço, antes depredado pelo próprio governo, os poetas começaram a fixar mosaicos poéticos no chão. Ontem, cimentaram duas placas. O protesto ocorreu de maneira pacífica e, muitas vezes, irreverente. Os poetas, como na pomposa calçada da fama em Hollywood, cravaram as mãos no cimento fresco. Munido de um megafone, Nicolas Behr, nome de destaque na poesia da cidade, bradou: “É impossível derrubar o chão. Do chão, a gente não passa”. O mosaicista Gougon, autor das obras, concordou. “Quando derrubaram os tótens, eles me jogaram no chão. Depois de muito pensar, cheguei à conclusão: é no chão que vou continuar”, lembrou. Segundo ele, essa é uma atitude de amor à cidade, pois, além de poesia e arte na parada, o grupo tapou os buracos.
Resposta política Após leitura de manifesto cultural, o poeta Luís Turiba cobrou atitude do governo. “Desde a derrubada, eles não ofereceram nada para a gente, o que é uma pena. Com o protesto, essa rua passa a ser sagrada. A poesia foi para a sarjeta”, contou. O administrador regional de Brasília, Ricardo Pires, esteve presente e afirmou que a retirada dos poemas foi um mal-entendido. Segundo ele, a mão-de-obra contratada para a limpeza da cidade não estava ciente da importância dos mosaicos. “A Administração de Brasília não estava coordenando a ação. Faltou discernimento aos responsáveis”, lamentou. Pires garantiu que, desta vez, os poemas no chão terão seu lugar garantido. “Conseguimos autorização junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para que as paradas de ônibus estejam abertas aos artistas. Mas pedimos que eles nos informem”, esclareceu.
A movimentação angariou adeptos. A dona-de-casa Tânia Tavares, 33 anos, incentivou a iniciativa. “A gente vive com tanta violência, tanto problema, tanta pobreza de espírito, que é um alívio encontrar poesia na parada de ônibus”, observou. A cena poética na cidade deu combustível à discussão. Entre os eventos destinados ao gênero, estão as edições da Barca Poética, toda noite de lua cheia no Lago Paranoá, o projeto mensal Poesia no Jardim da Filosofia, do Centro Cultural Banco do Brasil, e a aguardada I Bienal de Poesia de Brasília, em setembro.
Galeria de fotos: veja imagens com as poesias
Em manifestação contra a derrubada de tótens com poesia nas paradas de ônibus, artistas cimentam versos na calçada da 509/510 Sul
Arthur H. Herdy Especial para o Correio Breno Fortes/CB/D.A Press
O grupo Loucos de Pedra fixou duas placas de poemas no chão perto do ponto de ônibus: “a poesia foi para a sarjeta” Por volta das 11h de ontem, um grupo de movimentadores culturais da cidade atraiu a atenção de quem passava na W3 Sul, em frente ao ponto de ônibus da entrequadra 509/510. Aqueles que esperavam o ônibus espantaram-se. Quem passava na rua não disfarçava a curiosidade — olhares ressabiados questionavam o pequeno furdunço no local. O clima seco e quente não deu trégua, mas isso não foi motivo para desânimo. No chão, argamassa, cimento, pás, baldes e espátulas. Na calçada, havia poemas, os mesmos arrancados há mais de três meses pelo projeto Cidade Limpa do Governo do Distrito Federal (GDF). Agora, pelas mãos de poetas, escritores e artistas, voltavam ao lugar que lhes é de direito. Aproveitando os buracos e crateras na rua, eles plantaram poesia.
Desde 2004, os poemas estavam afixados em 12 placas de aço — antigos e desabilitados itinerários de ônibus. A partir dos versos de poetas brasilienses, formadores do grupo Loucos de Pedra, o artista plástico Henrique Gougon construiu os tótens expondo os textos em mosaico — Eudoro Augusto, Nicolas Behr, Fernando Mendes Viana e Cassiano Nunes (este, morto no ano passado) eram alguns dos nomes presentes na homenagem. Em abril deste ano, as obras foram derrubados sem aviso. O projeto Cidade Limpa, cujo objetivo é livrar a cidade de faixas, outdoors e quaisquer resquícios de poluição visual, destruiu as instalações. Dos 12, apenas dois, da poetisa Angélica Torres Lima, puderam ser salvos e encontram-se hoje guardados.
A solução encontrada foi não largar o osso: no mesmo espaço, antes depredado pelo próprio governo, os poetas começaram a fixar mosaicos poéticos no chão. Ontem, cimentaram duas placas. O protesto ocorreu de maneira pacífica e, muitas vezes, irreverente. Os poetas, como na pomposa calçada da fama em Hollywood, cravaram as mãos no cimento fresco. Munido de um megafone, Nicolas Behr, nome de destaque na poesia da cidade, bradou: “É impossível derrubar o chão. Do chão, a gente não passa”. O mosaicista Gougon, autor das obras, concordou. “Quando derrubaram os tótens, eles me jogaram no chão. Depois de muito pensar, cheguei à conclusão: é no chão que vou continuar”, lembrou. Segundo ele, essa é uma atitude de amor à cidade, pois, além de poesia e arte na parada, o grupo tapou os buracos.
Resposta política Após leitura de manifesto cultural, o poeta Luís Turiba cobrou atitude do governo. “Desde a derrubada, eles não ofereceram nada para a gente, o que é uma pena. Com o protesto, essa rua passa a ser sagrada. A poesia foi para a sarjeta”, contou. O administrador regional de Brasília, Ricardo Pires, esteve presente e afirmou que a retirada dos poemas foi um mal-entendido. Segundo ele, a mão-de-obra contratada para a limpeza da cidade não estava ciente da importância dos mosaicos. “A Administração de Brasília não estava coordenando a ação. Faltou discernimento aos responsáveis”, lamentou. Pires garantiu que, desta vez, os poemas no chão terão seu lugar garantido. “Conseguimos autorização junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para que as paradas de ônibus estejam abertas aos artistas. Mas pedimos que eles nos informem”, esclareceu.
A movimentação angariou adeptos. A dona-de-casa Tânia Tavares, 33 anos, incentivou a iniciativa. “A gente vive com tanta violência, tanto problema, tanta pobreza de espírito, que é um alívio encontrar poesia na parada de ônibus”, observou. A cena poética na cidade deu combustível à discussão. Entre os eventos destinados ao gênero, estão as edições da Barca Poética, toda noite de lua cheia no Lago Paranoá, o projeto mensal Poesia no Jardim da Filosofia, do Centro Cultural Banco do Brasil, e a aguardada I Bienal de Poesia de Brasília, em setembro.
Galeria de fotos: veja imagens com as poesias
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